Presente para o futuro

Educar pelo exemplo: compostagem de resíduos orgânicos

Quando recebi o convite para escrever sobre a relação entre gerenciamento de resíduos orgânicos e educação ambiental, imaginei que fosse apenas mais uma oportunidade para aprender sobre um assunto do meu interesse e compartilha-lo com outros interessados. Mas, ao encontrar com a pessoa que iria entrevistar sobre compostagem, percebi que seria mais que isso. 

O tal Eduardo Rodrigues, responsável por uma empresa focada em coletar e dar correta destinação a resíduos orgânicos, era, na verdade, um grande amigo de adolescência. Foi com surpresa e alegria que acolhi o encontro. 

Pai e filha em pátio de compostagem. Foto: Cris FontinhaHá 25 anos, quando costumávamos sair juntos, Eduardo era um metaleiro de cabelos compridos e tatuagens. Eu, um punk de calças rasgadas. O cara que reencontrei tinha cabelo curto, não vestia camiseta preta e, como eu, havia amadurecido. Ao seu lado, uma menina linda, de olhos curiosos, chamada Yurahá (enlaçadora de mundos, em guarani), de quase 12 anos. 

Depois de um longo abraço, falamos brevemente sobre nossas filhas (eu tenho duas pequenas) e os amigos em comum, além da família e da cidade natal. Na sequência, Eduardo foi logo me apresentando seu espaço, um terreno de aproximadamente 1.000 m² no bairro do Campeche, em Florianópolis, onde mora com sua filha e desenvolve o projeto Destino Certo para Resíduos Orgânicos. 

O interesse de Eduardo por questões ambientais começou ainda na faculdade de filosofia, e se aprofundou quando, em 2005, travou contato com a permacultura em uma imersão de dez dias no Sítio Saracura. Lá aprendeu técnicas de compostagem que começou a aplicar em casa.  

O envolvimento direto no processamento de seus próprios resíduos fez crescer a consciência ambiental e, mais do que isso, a compreensão de que poderia contribuir, no âmbito local, para o fechamento de um ciclo. 

Alguns anos depois, em 2010, ele e a então esposa, mãe de Yurahá, abriram um restaurante. Logo, Eduardo percebeu que a quantidade de resíduos orgânicos gerados na produção de refeições em escala era imensa e precisava de uma solução específica.

Pesquisas e testes foram feitos e a gestão dos resíduos do seu estabelecimento foi implantada. Após dois anos de prática e aprimoramento, decidiu oferecer o serviço para outros restaurantes, transformando sua preocupação individual em uma solução escalável.  

A lei 12.305/2010, que teve por objetivo criar uma política nacional para a gestão dos resíduos sólidos, prevendo inclusive a implantação de sistemas de compostagem para resíduos orgânicos e formas de utilização do composto produzido, foi um incentivo à possibilidade de fazer do seu propósito um negócio. 

Utilizando um sistema de compostagem praticado de forma milenar por camponeses indianos e que vem sendo desenvolvido na Universidade Federal de Santa Catarina há mais de duas décadas – leiras estáticas termofílicas (detalhes abaixo, em “Entenda a compostagem termofílica”) – Eduardo iniciou sua busca por um espaço e por clientes interessados em pagar para diminuir o impacto ambiental, colhendo também os frutos dessa opção. 

Dissolvendo a cultura do descarte 

 

A chegada da filha Yurahá também aguçou sua preocupação com o mundo que estamos entregando às próximas gerações. Pode-se dizer que a filha de Eduardo cresceu junto com o projeto. E alimentou-se dele.  

Menina mostra minhocas que vivem em pátio de compostagem. Foto: Cris FontinhaFiquei emocionado ao ver a garota competir com o pai na hora de me explicar o funcionamento do sistema, complementando os argumentos com um olhar infantil sobre o processo. Ficou claro, naquela visita, que da mesma forma que as crianças hoje não conseguem conceber um mundo sem internet, Yurahá não consegue aceitar uma sociedade indiferente no que diz respeito à gestão de resíduos. 

A clareza da menina ao me explicar, com suas palavras, como o trabalho de seu pai contribui para fechar um ciclo essencial à sustentabilidade do planeta, me fez pensar nas minhas filhas. Elas provavelmente não alcançarão essa consciência sem o meu exemplo. Sem viver essa experiência cíclica da cadeia alimentar, que não termina na lixeira, mas na produção de adubo e na gestão de hortas, nossas crianças crescerão aceitando o modelo que nossa geração aceitou: o da cultura do descarte. E a questão é: por quanto tempo mais o planeta pode suportar esse sistema? 

Plantar, colher, comer, reciclar, plantar…

 

A Destino Certo está em funcionamento há seis anos e processa mais de cem toneladas de resíduos por ano. Cerca de 20% disso tudo se transformou em adubo orgânico, uma terra repleta de vida que alimenta a horta de Eduardo e Yurahá – os outros 80% viram vapor de água. Além do pagamento pela coleta, Eduardo vende o excedente de adubo e os produtos da horta para muitos dos restaurantes que pagam pelo serviço. 

Mais do que um modelo de negócios viável, a iniciativa representa uma solução simples, barata e efetiva para o problema do lixo. Um terreno de 1000m² pode processar até 200 toneladas por ano. 

De acordo com Eduardo, Florianópolis produz cerca de 500 toneladas de lixo por dia, sendo que metade é de resíduos orgânicos. São cerca de cem mil toneladas por ano. Com 500 espaços como o de Eduardo espalhados pela cidade e um programa efetivo de conscientização, poderíamos solucionar o problema do lixo na capital catarinense de forma muito menos custosa ao município e com grande impacto positivo. E essa conta serve para todas as outras cidades. 

Números à parte, saí de lá inspirado e decidido a ter uma composteira em casa. Eduardo, generosamente, ofereceu-se para me ajudar, assim como faz com quem visita a Destino Certo, que também tem um viés pedagógico. Quero que minhas filhas, como Yurahá, exijam do mundo um modelo sustentável. 

Obrigado, Eduardo. Mais do que me ensinar sobre compostagem termofílica, você me mostrou que a educação de nossos filhos depende, acima de tudo, das experiências a que estão sujeitos ao nosso lado. Inspirá-los com ações cotidianas, no trabalho, nas relações pessoais, na gestão doméstica, é, também, nosso dever. 

Entenda a compostagem termofílica

 

A compostagem é uma mistura/proporção ideal ou favorável entre umidade, oxigênio e resíduo orgânico (restos de comida, folhas e cascas, além de serragem e palha) Esses “ingredientes” servem para a proliferação de fungos e bactérias. As bactérias são responsáveis pela quebra da porção de nitrogênio e os fungos pela quebra da lignina, que é a porção de carbono. As leiras são pilhas alongadas estáticas sobre a terra. Têm, em média, 1,5m de largura. O comprimento pode variar de acordo com o espaço. Junta-se uma parede de palha e inicia-se o processo com galho, serragem, resíduo orgânico e inoculante (que traz as bactérias e fungos). A temperatura da leira pode chegar a 70 graus. Esse aquecimento evita a proliferação de bichos, como ratos e moscas.

O processo pode levar entre três a seis meses. Cerca de 20% do conteúdo transforma-se em adubo orgânico de altíssima qualidade, podendo ser usado para produção de alimentos, plantas ornamentais, medicinais, frutíferas etc.

O sistema de compostagem termofílica ficou conhecido através do projeto Revolução dos Baldinhos. Atualmente, além da Destino Certo, empresa de Eduardo, espaços como o SESC Cacupé e o Parque Cultural do Campeche (Pacuca) utilizam o modelo.

Além de métodos como esse, de média e larga escala, existem soluções para compostagem residencial, acessíveis a todo mundo. Também já há empresas dedicando-se à venda de composteiras para casas e apartamentos. O uso é simples e os resultados efetivos.

 

Fotos: Cris Fontinha

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