Petria Chaves

O mistério da vida está escrito nos livros

Sondar o mistério da vida é meu principal combustível. Que raios viemos fazer aqui neste mundo? A realidade é uma só: sabemos muito pouco sobre a nossa própria existência.

Certa vez, entrevistando o mestre, educador e psicanalista Rubem Alves, que veio a falecer um mês após nossa conversa, ele me disse que inteligência é saber fazer perguntas. Porque o que move o humano não são as respostas que temos, mas a infinidade de possibilidades que existem; o quanto ainda podemos saber, ser e nos integrarmos a esse misterioso universo.

É a busca dos maiores místicos e dos melhores cientistas.

A realidade é que ninguém nunca provou Deus. Nunca ninguém ousou. Então, a pergunta que surge novamente é: para que tudo isso?

Passo a passo nesta vida, vamos tentando obter respostas para essa pergunta. Mesmo que inconscientemente. Me parece ser uma lei da evolução.

Conhecer o prazer que existe no conhecimento e no fazer perguntas pode ser uma das primeiras portas para uma vida com alguma satisfação, mesmo que essa não seja a resposta definitiva à nossa primeira pergunta.

A cada conquista de um bebê, por exemplo, vemos a felicidade dele por ter aprendido algo novo e, imediatamente, vem a busca pela próxima experiência, pela próxima conquista.

Desde muito cedo em casa, nessa busca por experiências, os livros são ferramentas. Nossas e das crianças. Por exemplo, os livros sempre foram brinquedos na vida da Yael e, agora, na vida do Max também. Eles não veem esse objeto como algo a ser lido, mas como algo divertido que, além de ser gostoso de manusear e brincar, é inusitado pelo diferente que traz em cada página.

Inusitado.

Yael, filha de Petria Chaves, com livros desde neném. Fotos: Arquivo pessoal.

Tudo o que nos surpreende nos traz para um estado de presença. Os livros na vida das minhas crianças têm este papel: os trazer para a alegria do mistério da próxima página.

Quando Yael tinha dois anos, ganhamos as “Histórias de Ninar meninas rebeldes“, um compilado de textos sobre mulheres maravilhosas que marcaram a história da cultura, da ciência, da política, da humanidade. Yael é completamente apaixonada por esse livro.

Mamãe, quem é essa?

Cleópatra, filha.

Ela é sua amiga?

Claro, meu amor. Ela é minha amiga.

A apresentação de mundos diferentes, quantos mundos o mundo pode ter, não tem preço. E aqui não falo sobre o quanto é importante estimular a leitura. Para mim, o importante é estimular a curiosidade desses pequenos projetos de super-humanos. Uma ferramenta fácil e simples para nos ajudar nessa tarefa são os livros de papel.

Em nossa brinquedoteca, temos uma verdadeira biblioteca junto aos brinquedos. Não tem um espaço destinado só aos livros. É tudo misturado. O prazer do brincar com as histórias é a função desse lugar mágico dentro de casa, onde tudo é conhecimento e brincadeira. Tive muita inspiração nas priminhas mais velhas da Yael, a Clara e a Amélia, que sempre foram muito incentivadas a amarem seus livrinhos. O resultado do que elas são hoje, com seis e oito anos, é bem claro.

Yael, filha de Petria Chaves, com livro quando neném. Foto: Arquivo pessoal.Falo da Yael que, com três anos, é um projetinho de gente. Mas ao pensar em escrever sobre leitura aqui com você no Canal AMa, me veio a ideia de perguntar para a Tabata Amaral sobre a influência da leitura na vida dela.  A Tabata tem 24 anos, nasceu na periferia de São Paulo, em Cidade Ademar, região conhecida pela violência. Ela se formou em ciências políticas e astrofísica em Harvard quando tinha 22 anos. Conseguiu uma bolsa integral para estudar nessa universidade americana, que é uma das mais prestigiadas do mundo. Como ela chegou até lá?

Nesta semana, essa menina linda esteve num palco em São Paulo ao lado da prêmio Nobel da Paz, a paquistanesa Malala Yousafzai, falando sobre o poder da educação: arma mais poderosa de vida. Inspirada nessa conversa, Tabata me revelou que:

“Falando sobre livros, ficou muito claro que o papel da leitura na minha infância era de acessar um mundo que era maior do que o meu, um mundo mais bonito, um mundo diferente. Eu tinha muitos livros em casa, pois meus pais trabalharam em uma livraria. Eles pegavam os livros mais bonitos e traziam pra mim. Sempre que as coisas complicavam, já que minha família passou por muitas dificuldades, eu sentava e lia. Era uma maneira de ver que as coisas podiam ser diferentes e que elas eram diferentes em algum outro lugar. Foi através dos livros que eu consegui acessar um mundo que fisicamente eu não acessava morando na Vila Missionária.”

Buscando mais sobre essa metafísica do poder da leitura, também perguntei ao escritor e doutor em educação Ilan Brenman sobre essa força que a leitura tem na vida de cada um de nós. Ele me disse que:

“A questão da leitura e da literatura nos tempos modernos nunca foi tão importante. Estamos num momento de muitos ruídos. Não só os ruídos das grandes cidades, mas os ruídos de dentro, da mente humana, que sofre com a velocidade da vida com a internet e as redes sociais.

Assim, a literatura de papel é o momento da parada, do respiro. É o momento da criança poder se encontrar com o outro sem a mediação de uma tela. É onde a voz interna da criança aparece, onde o barulho do coração é escutado. A literatura de papel é essa possibilidade de aproximação de pais e filhos. De maneira tranquila e serena. Mesmo quando as histórias não forem serenas.

O Homo sapiens é homo sapiens por causa das suas histórias. Quando nos afastamos dessa humanidade e dessa empatia pelo outro, quando nos esquecemos de compreender como somos por dentro, nada melhor do que voltarmos aos livros para retomarmos o contato com a gente mesmo.”

Como essa coluna sempre traz presentes para você, leitor, pedi ao Ilan dicas de livros legais para lermos para nossos pequenos grandes perguntadores. E, obviamente, ele trouxe as melhores dicas.

“Minhas filhas tinham dois livros de preferência: ‘O ursinho apavorado’, que conta a história de um ursinho que escutava barulhos e tentava identificar de onde eles vinham; a ‘Agora não, Bernardo’, um livrinho que também mistura suspense com magia infantil.”

A você, querida leitora, desejo muita inquietação. E que essa inquietação do saber seja passada aos seus pequenos curiosos. Que eles possam descobrir cada vez mais pelos livros e pela vida sobre esse mistério que é estarmos vivos aqui.

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